Concessões devem ter retomada gradual

O ano começou aquecido com duas concessões bilionárias de rodovias e previsão de dezenas de negócios em outros segmentos com licitações da União e de governos estaduais, mas a pandemia atrasou cronogramas ao incorporar incertezas em relação à demanda futura e provocou algumas mudanças nos contratos a serem licitados. 

Nos dois primeiros meses de 2020, concessões com mais de R$ 15 bilhões em investimentos foram arrematadas. Em janeiro, o governo paulista licitou o corredor rodoviário Piracicaba-Panorama, conhecido por Pipa, com 1,2 mil quilômetros e previsão de investimentos superiores a R$ 10 bilhões ao longo dos 30 anos de contrato, arrematado por um consórcio formado pelo Pátria e pelo GIC, fundo soberano de Cingapura. Em fevereiro, foi a vez de a CCR arrematar a concessão de 220,4 quilômetros da BR-101, em Santa Catarina, que prevê investimentos de R$ 3,4 bilhões e custos operacionais de R$ 4 bilhões ao longo de 30 anos de duração da concessão. 

A partir de março, quando a pandemia ganhou força, não se realizaram por seis meses leilões, retomados apenas em agosto com o arrendamento no porto de Santos de dois terminais de celulose, setor beneficiado com a alta do câmbio. Gradualmente, Estados e a União estão retomando os processos, com desta- que para a área de saneamento, cuja aprovação do novo marco regulatório em agosto deu alento. “A nova regulação deu um belo empurrão”, resume o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano. Em setembro, em processo estruturado pelo banco e que atraiu sete concorrentes na licitação, Alagoas concedeu por 35 anos os serviços de água e coleta de esgoto na região metropolita- na de Maceió, em certame vencido pela BRK Ambiental, controlada pelo fundo canadense 4 . 

Apenas de outorga o governo alagoano recebeu R$ 2 bilhões. Em momentos de aperto fiscal como o atual, o resultado elevou o interesse de outros Estados. “Governos de outros Estados começaram a acelerar projetos na área de olho na outorga”, afirma Renato Sucupira, sócio da BF Capital, assessora financeira do setor de infraestrutura. 

A movimentação cresce também no setor de transportes. Em novembro, deverá ser aberta a consulta pública para a primeira privatização de uma Companhia Docas do país. A selecionada foi a controladora do porto do Espírito Santo. “É um porto menor, para aprendermos a rota. Fizemos alguns ajustes e no ano que vem faremos o leilão e já estamos estudando a desestatização do porto de Santos”, afirma o ministro de Infraestrutura, Tarcisio Freitas. O setor tem visto algumas mudanças no setor: Suape tem parceria com o porto de Roterdã, o maior da Europa. 

Bem-sucedido, o modelo de desestatização poderá provocar mudanças estruturais no setor portuário, mas já causa receios de alguns usuários em relação à possibilidade de aumento de tarifas e o temor de conflitos de interesse entre o novo operador e os grupos que operam, direta ou indiretamente, no porto. “A execução não será fácil, há resistências técnicas”, diz Flavio Menezes, sócio da consultoria Bip Brasil. Entre empresas, há duas preocupações que se destacam: a possibilidade de aumento de tarifas e o temor de conflitos de interesse entre a nova companhia docas e os grupos que operam, direta ou indiretamente, no porto. 

Nas próximas semanas, o setor deverá assistir à retomada dos leilões rodoviários, um teste do apetite dos investidores em um segmento que chegou a ter queda de 20% no tráfego durante os primeiros meses da pandemia. Na última semana de novembro, o governo do Mato Grosso pretende leiloar três lotes de rodovias estaduais, totalizando 512 quilô- metros. As concessões têm prazo de 30 anos e investimentos de R$ 1,5 bilhão. Em dezembro, deve ser a vez do governo gaúcho, que pretende leiloar 204,51 quilômetros de extensão da RSC-287, entre o município de Tabaí e Santa Maria (RS). “A RSC-287 já tem dois pedágios rodando, ela tem atraído a atenção de empresas que querem ingressar no Brasil e olham ativos menores, como alguns europeus”, afirma Bruno Vanuzzi, secretário extraordinário de parcerias do Rio Grande do Sul. 

A retomada das licitações rodoviárias será observada com atenção pelo mercado, que prevê que a partir do próximo ano possam chegar ao mercado grandes negócios, com destaque para a relicitação da via Dutra, cujo contrato da CCR com a União expira em fevereiro de 2021. Com modelagem feita em parceria entre a Empresa de Planejamento Logística (EPL) e o Banco Mundial (Bird), principal interligação entre São Paulo e Rio de Janeiro, a rodovia poderá movimentar mais de R$ 30 bilhões de investimentos ao longo de seu contrato. 

Após a pandemia, foi feita uma nova rodada com investi- dores antes que ele fosse envia- do ao Tribunal de Contas União (TCU). Nove empresas participaram, sendo algumas delas novas entrantes no Brasil. Deverá atrair uma série de interessados no projeto, que deverá ter uma queda de, pelo menos, 20% na tarifa de pedágio e incorporar novas tecnologias, como um trecho de 12 quilômetros em que haverá pela primeira vez no Brasil a adoção do sistema de free flow (pedágio com cobrança automática e sem cancela). A rodovia Rio-Santos também deverá integrar a licitação. 

A intenção do governo federal é licitar a maior concessão do país no início de 2021, mas especialistas estimam que a data do leilão poderá “escorregar” para 2022. Uma das razões é que as concessões terão de ser reequilibradas para compensar as perdas dos meses em que o tráfego despencou. “Se vier uma segunda onda da pandemia, isso também poderá ter impacto. Pode ser feita extensão do contrato atual até que esses pontos sejam dissipados”, afirma um empresário do setor. Antes, provavelmente, a União pretende licitar nos próximos meses trecho da BR-163 entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), que contempla a ligação ao porto de Miritituba ou ao terminal ferroviário de Rondonópolis (MT), e da BR-153, principal ligação do Meio-Norte do Brasil (Estados do Tocantins, Maranhão, Pará e Amapá) com a região Centro-Sul do país. 

O avanço do comércio eletrônico trará desafios para as regiões metropolitanas e para a expansão da mobilidade urbana, um segmento essencialmente financiado em boa parte pelos governos. Em Minas Gerais, avalia-se que uso o aeroporto da Pampulha pode ter na malha aérea, e estuda-se a concessão de sete lotes de rodovias com três mil quilômetros de extensão e a modelagem de um rodoanel na região metropolitana de Belo Horizonte, que poderá envolver R$ 9 bilhões em investimentos. 

Estado com a maior malha sob administração privada, São Paulo trabalha em concessões em logística. A carteira de projetos total no Estado é de R$ 36 bilhões, sendo que 51% estão em mobilidade urbana e 33% em rodovias. 

Em mobilidade, há o projeto de trem interligando a capital paulista e Campinas que poderá envolver US$ 1,4 bilhão e a concessão das linhas 8 e 9 de trens sobre trilhos que transportam passageiros na região metropolitana, que pode render US$ 500 milhões. Em rodovias, o mais avançado projeto é o da concessão de trecho rodoviário do litoral paulista, com investimentos previstos de US$ 600 milhões. “Também iremos conceder 22 aeroportos regionais no Estado porque tem havido um crescimento de voos no Estado e aumento do tráfego comercial”, afirma Henrique Meirelles, secretário paulista da Fazenda. 

Nas estimativas do ministro de Infraestrutura, Tarcisio Freitas, a sexta rodada de concessão de aeroportos deverá ser realizada no segundo semestre de 2021. Os 22 aeroportos, como os terminais de Curitiba, Manaus, Goiânia, Joinville, respondem por 11% dos passageiros pagos movimentados no mercado brasileiro de transporte aéreo. Em 2019, foram 23,9 milhões de embarques e desembarques. “Ainda estamos iniciando os estudos para a sétima e última rodada com os terminais de Congonhas e Santos Dumont, o que fará toda a malha da Infraero estar nas mãos de agentes priva- dos”, destaca o ministro. A pandemia provocou revisão das projeções de demanda de passageiros, aeronaves e cargas e algumas mudanças nos contratos do setor, um dos mais afetados pelas medidas de confinamento nas cidades. No Bloco Norte, no aeroporto internacional de Manaus, uma sugestão foi a criação de um mecanismo de compartilhamento de risco entre a União e a concessionária caso a movimentação de carga aérea fique abaixo do previsto. Pelo contrato, esse mecanismo só é aplicável a partir do quinto ano de concessão e nos casos de impactos decorrentes de alteração na legislação tributá- ria da Zona Franca de Manaus. Assim, caso a arrecadação com receita de carga seja menor do que o piso previsto em contrato, a contribuição variável poderá ser reduzida. 

Caso essa compensação não seja suficiente, e ouvido o Ministério de Infraestrutura, poderão ser utilizados mecanismos como: a alteração do valor das tarifas, do prazo do contrato e das obrigações contratuais da concessionária, bem como o pagamento de valores à concessionária.

Ainda na minuta do contrato, foi esclarecida a indenização devida no caso de retomada do ativo pelo governo federal. Caso aconteça esse tipo de extinção prematura do contrato, a concessionária será indenizada pelo valor presente dos lucros futuros frustrados e por outras parcelas não amortizadas de investimentos realizados e valores recolhidos durante o contrato. A ideia é impedir que haja problemas como o de ativos de transportes concedidos em 2012 e 2013, cuja relicitação ainda enfrenta questionamentos de órgãos de controle em relação aos valores a serem amortizados. 

Além do desafio de levar adiante as concessões previstas para os próximos meses, o governo federal terá outra questão a resolver: a intenção de concessionárias privadas devolverem ativos concedidos. Estão nesse processo cerca de três mil quilômetros de rodovias (mais do que o dobro dos 1,3 mil quilômetros de vias que nos últimos três anos foram transferidos à iniciativa privada pela União) e os terminais de Viracopos, em São Paulo, e São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. 

Fonte: Valor Econômico

Comentários