Negócios têm potencial de R$ 50 bilhões

Especial| Infraestrutura e logística
Negócios têm potencial de R$ 50 bilhões   

Um copo meio cheio ou meio vazio. A depender do olhar, são essas as perspectivas de investimentos privados em concessões, Parcerias Público-Privadas (PPP) e desestatizações nos próximos meses no setor de infraestrutura. O cenário apresenta diversas oportunidades que poderão destravar mais de R$ 50 bilhões em negócios. Entretanto, há um conjunto de questões regulatórias e jurídicas que representam desafios grandes a serem superados. 

O ministro de infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, aponta que nos próximos meses mais de 30 licitações poderão ser feitas, com destaque para o setor de transportes. Até o fim deste governo toda a malha da Infraero, a empresa pública que opera os aeroportos brasileiros, por exemplo, poderá ser transferida à iniciativa privada. Já em ferrovias trabalha-se para a renovação da malha dos atuais concessionários e para a concessão de novos trechos. “Queremos transformar a matriz de transportes nacional”, afirma o ministro. 

A pandemia trouxe incertezas sobre a demanda. O setor aeroportuário é um exemplo. O terminal de Guarulhos, o maior da América Latina, registrou queda de mais de 50% no número de passageiros. Foram 12 milhões de pessoas embarcando e desembarcando das aeronaves nos sete primeiros meses de 2020, com- paradas a 24,3 milhões em igual período de 2019. Em número de voos, a retração é semelhante. Foram 89,3 mil ao longo deste ano, o que representa 53,5% do realizado ano passado. As viagens de negócios, um dos motores do segmento, estão em xeque. Parte delas poderá desaparecer para sempre com a tendência das reuniões virtuais, trabalho remoto e a diminuição no número de eventos. 

“Essa mudança, que poderá ser estrutural, terá de ser levada em conta na próxima rodada de concessões”, afirma Da- niel Keller, sócio da UNA Partners. O governo poderá licitar os 22 terminais entre o fim de 2021 e 2022, além de já ter iniciado o processo para conceder os aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), ambos com bastante movimento de turistas de negócios. 

“Deverá haver uma correção dos estudos de demanda. Além disso, as cláusulas de investimentos ficam muito mais flexíveis, sem forçar aplicação de recursos caso não haja demanda. Mesmo assim, o setor continua atraindo interessa- dos”, afirma o sócio da Vallya, João Pedro Cortez. 

A pandemia enseja refle- xões sobre os contratos que serão assinados nos próximos meses. A queda de demanda impõe um novo olhar sobre o compartilhamento do risco dessa variável na equação para atrair investidores e financiadores, diz o presidente do Banco Fator, Gabriel Galípolo. Para ele, há exemplos no país que incorporam essa possibilidade, como em linhas de metrô em São Paulo, em que há contratos com bandas de demanda, uma forma de reequilíbrio quase automático. 

Nesse tipo de contrato, ele explica, há uma demanda projetada ano a ano durante toda a extensão da concessão. Define-se ali que variações acima ou abaixo de 10% do previsto são absorvidas pela concessionária. Oscilações entre 10% e 20% são compartilhadas, sendo 50% do poder público e 50% da concessionária. Variações entre 20% e 40% para baixo ou para cima ficam 30% para o privado e 70% com o poder concedente ou 10% e 90%. 

Este é um exemplo que poderia ser adotado em um momento em que as incertezas sobre o futuro levam investi- dores e financiadores buscar liquidez. “Essa fórmula já estabelece automaticamente mecanismo de absorção de receita de 40% para cima ou para baixo, então não precisa parar, sentar e conversar. E mais importante: não se para o serviço durante esses momentos de oscilação. Reduz-se a rentabilidade do privado, mas não se ameaça a sobrevivência do projeto.” 

Algumas concessões deverão passar por reequilíbrio econômico-financeiro em razão dos efeitos da pandemia sobre a demanda, um assunto que poderá ter algum impacto sobre o cronograma de alguns negócios, como o da reli- citação da rodovia Dutra, um dos maiores projetos do go- verno federal. Além do desafio de levar adiante as concessões previstas para os próximos meses, o governo federal terá outra questão a resolver: a intenção de algumas concessionárias privadas de devolverem ativos concedidos. 

Estão incluídos nesse processo cerca de três mil quilômetros de rodovias (mais do que o dobro dos 1,3 mil quilô- metros de vias que nos últimos três anos foram transferidos à iniciativa privada pela União) e os terminais de Vira- copos (SP) e São Gonçalo do Amarante (RN). 

Um dos processos mais adiantados é o da Via-040, responsável pela gestão do trecho de 936,8 quilômetros da BR- 040 entre Brasília (DF) e Juiz de Fora (MG) e que teve o pedido aprovado pelo presidente da República em março. 

Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez questionamentos sobre o mé- todo usado para ressarcimento dos investimentos não amortizados, mesmo isso já tendo sido submetido e aprovado em audiências públicas. A decisão coloca dúvidas sobre a relicitação desse ativo e em outros setores, como o aerportuário, em que o governo se prepara para relicitar o terminal de Viracopos. “O TCU pode fazer questionamento sobre o processo”, avalia Cor- tez, da Vallya. 

Os escritórios de advocacia têm recebido nas últimas semanas telefonemas de empresários preocupados com um julgamento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sem data ainda para ser realizado. Em setembro, o presidente do órgão, ministro Humberto Martins, autorizou o município do Rio de Janeiro a reto- mar a concessão da Linha Amarela, via expressa do Rio de Janeiro, até então administrada por contrato pela Lamsa, empresa do grupo Invepar. 

“Por meio de uma decisão monocrática e surpreendente do STJ, foi revertido o entendimento consolidado nas 18 vezes que os processos passaram pelo Poder Judiciário”, afirma Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Ba- se (Abdib). “Mesmo se o resultado do julgamento for positivo, a questão produz uma desconfiança.” 

A preocupação jurídica também está no setor elétrico. Os efeitos da pandemia criaram uma queda de braço entre a agência reguladora e as empresas. Discute-se o reequilíbrio econômico-financeiro das distribuidoras, sendo que o setor já recebeu um pacote de ajuda financeira de R$ 15 bilhões há alguns meses. 

No debate sobre o tema, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sugere uma flexibilização nos contratos: a recomposição econômica e financeira seria feita mediante a assinatura de um aditivo contratual pelo qual as partes anulam o contrato vigente e assinam um novo contrato de concessão. Para a Abdib, exigir contrapartidas desta natureza aumenta o risco para no- vos investimentos em um contexto em que os contratos de concessão atuais já teriam cláusula e garantia legal de reequilíbrio econômico-financeiro por razões imprevisíveis como uma pandemia.

“Essa discussão sobre o reequilíbrio será intensa em 2021 em todos os setores e pode afetar cronogramas e até investimentos”, diz um empresário do setor de transportes que observa de perto o debate no setor elétrico. 

Há também pontos positivos. Um dos setores que mais inspiram otimismo das empresas nos próximos meses é o de saneamento, apesar da pendência de alguns detalhes do novo marco regulatório. Em outubro, quatro grandes licitações com mais de R$ 7 bilhões em investimentos foram realizadas: uma concessão em Alagoas foi arrematada pela BRK, duas PPPs pela Aegea e uma PPP de dessalinização no Ceará pela Marquise e Abengoa. Até o fim do ano, deve ser licitada a concessão de Petrolina (PE), um negócio de R$ 1 bilhão.

Em 2021, o destaque deve ficar com concessão da Cedae (RJ), que deverá ser dividida em quatro blocos, que somarão quase R$ 30 bilhões em investimentos. “Esse é um grande projeto que poderá atrair bastante interesse e que, por ser tão grande, poderá fazer com que futuros empreendi- mentos atraiam novos entrantes”, observa Daniel Keller, sócio da UNA Partners. 

Há, contudo, pendências com o novo marco regulatório. Uma delas é que a Agência Nacional das Águas (ANA) deverá criar normas de referência a serem usadas em Estados e municípios e irá estabelecer uma metodologia para a indenização dos ativos não amortizados, um ponto sensível que pode trazer polêmica principalmente nas regiões metropolitanas. 

“Este será um desafio da ANA, ela terá de criar a metodologia para isso, que contemple a densidade populacional, a topografia, algo que consiga ter um cálculo estimado. É melhor estar aproximadamente certo do que precisamente errado”, afirma Jerson Kelman, ex-diretor presidente da agência e ex-presidente da Sabesp. “O que seria estar totalmente errado? Levar dez anos para criar esse método”, afirma Kelman. 

O crescimento do mercado de saneamento deve ser acompanhado pela ampliação das fontes de financiamento, hoje concentradas em operações da Caixa Econômica Federal e do BNDES. Também poderá representar abertura de capital de empresas que operam na área, sendo que hoje apenas três estaduais têm ações em bolsa. Logo após a aprovação do marco, o Santander anunciou a criação de uma linha de R$ 5 bilhões destinada à viabilização de iniciativas do setor. As operações de curto a longo prazo (até 16 anos) poderão ter o custo reduzido conforme o cumprimento de metas ESG (sigla em inglês para meio ambiente, sociedade e governança).

Na área de energia, a pandemia trouxe queda do consumo de eletricidade e, consequentemente, provocou a suspensão dos leilões de contratação de energia no mercado regulado. Além disso, a conjuntura derrubou os preços do petróleo, o que fez os certames de licitação de 128 blocos de óleo e gás também serem adiados para 2021.

Um destaque tem sido o mercado livre de energia. Grandes empresas estão buscando contratos no ambiente livre de olho em preços mais baixos e nos certificados de energia renovável, uma tendência devida às mudanças climáticas. O Brasil é o segundo maior emissor dos certificados globais de energia renovável (I-RECs), atrás apenas da China, com quase 9 milhões de RECs emitidos no ano. “O futuro do mercado é livre e renovável”, resume a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum. 

Uma das novidades que o mercado livre terá é a adoção, em janeiro, do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) Horário. Hoje a referência de preços é semanal. Com o avanço de fontes intermitentes como solar e eólica, que dependem de fatores climáticos, exige-se maior precisão na formação de preços. As usinas movidas a vento têm geração maior de madrugada. “Isso poderá criar novos produtos e exigirá mais gestão de risco das empresas”, afirma o presidente da PSR, Luiz Barroso. 

Em paralelo, o Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE), que já obteve autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), deve lançar em breve os contratos de derivativos de energia. “Isso poderá permitir ao consumidor livre se proteger de oscilações de preço, e bancos e fundos de investimento de comprar barato em um momento para vender em outro momento em que o preço este ja mais alto. Por isso temos re- cebido visitas de bancos e fun- dos”, afirma o presidente da BBCE, Carlos Ratto. 

A taxa Selic a 2% ao ano é um atrativo para os projetos de infraestrutura, mas a curva de juros futura está perto de 10% em razão das dúvidas de investidores em relação às contas públicas do país. Nos próximos meses, diante da proximidade da eleição presidencial em 2022, o governo terá de decidir se alongará o auxílio emergencial por conta da pandemia ou se irá apertar o torniquete fiscal. 

A queda de braço entre mercado e governo deve ganhar fôlego nos primeiros meses do próximo ano. Isso poderá levar a um aumento dos juros de curto prazo, afirma Flávio Menezes, sócio da consultoria Bip. “Nesse cenário, os investidores em infraestrutura irão demandar mais retorno dos projetos, que terão de ser recalibrados”, observa. 

De outro lado, há um excesso de liquidez no mundo, com algumas economias com juros negativos. Para os investidores estrangeiros, há um atrativo: a desvalorização do real, que dá um aumento de 50% ao poder aquisitivo a vários fundos institucionais interessados em in- vestir em infraestrutura aqui. “

Quando começaram seus aportes viviam com um dólar a R$ 3,50. Tem muito investidor olhando saneamento, energia, projetos maduros de rodovias. Vamos ter novos entrantes”, diz Renato Sucupira, sócio da BF Capital. 

Em saneamento, nos últimos leilões, além das concessioná- rias já atuantes, novas empresas participaram, como a Equatorial, que nos últimos anos se destacou operando distribuidoras de energia elétrica no Norte e Nordeste. Itaúsa, que ingressou recentemente na área de gás natural na esteira da desverticalização do segmento, e CCR já manifestaram interesse público em água e esgoto. 

Financiar os projetos exigirá uma soma de esforços, sejam públicos ou privados. A situação de aperto nas contas públicas deverá perdurar por um bom tempo. Diante desse diagnóstico, uma saída seria criar operações de securitização da dívida tributária. A proposta é da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) “O Brasil não pode apenas contar com investimento privado em infraestrutura, mas tem de recuperar as condições de o Estado investir na área, só assim se pode melhorar a competitividade do país”, destaca Tadini, presidente da entidade. 

Com o uso desse mecanismo poderiam ser destravados pouco mais de R$ 75 bilhões, sendo R$ 20 bilhões aos Estados. O projeto de lei, de auto- ria do senador José Serra (PSDB-SP), que permite à União, Estados e municípios vender o direito de cobrança de uma dívida parcelada, tramita desde 2016. Há resistência da equipe econômica em relação ao entendimento de que a ideia fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). 

Empresários do setor de infraestrutura e executivos do mercado financeiro também discutem com o Congresso a aprovação do Projeto de Lei 2646, que poderá destravar o mercado para que fundos institucionais e seguradoras apliquem recursos na aquisição de debêntures de infraestrutura, hoje um segmento cuja de- manda é orientada pelas pessoas físicas, que contam com isenção do Imposto de Renda na aquisição dos papéis. 

O projeto de lei, do deputado João Maia (PL-RN), assinado por parlamentares de outros 11 partidos, prevê a redução de impostos cobrados aos emissores dessas debêntures. Essa é a principal diferença em relação à lei 12.341, em que o benefício é dado ao investidor que compra os títulos emitidos. 

O projeto prevê que as companhias emissoras das debêntures de infraestrutura poderão deduzir do lucro tributável até 30% do valor dos juros pagos no ano. A dedução prevista no projeto será ampliada para 50% caso a emissão das debêntures destine-se a financiar projetos de desenvolvimento sustentável (os chamados green bonds, ou títulos verdes), como energia renovável, controle de poluição e conservação da biodiversidade terrestre e aquática. 

O projeto é tratado como uma das prioridades do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para a retomada da economia, mas ainda está sendo analisado pelo Ministério da Economia em razão dos impactos da isenção que os emissores teriam com a nova legislação proposta. “O bolso dos fundos institucionais e as reservas técnicas das seguradoras somam mais de R$ 1 trilhão, ter 10% desse montante seria ampliar os recursos em infraestrutura. No mundo inteiro, esses são os investidores tradicionais do setor”, diz Tadini.

Fonte: Valor Econômico

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