Marco legal deve promover prestação regionalizada de serviços
A aprovação do novo marco regulatório do saneamento deverá representar a abertura de um setor hoje liderado por empresas estaduais, com cerca de dois terços dos negócios. Investidores já se movimentam diante das oportunidades: estimativas do mercado apontam que, com a universalização dos serviços de água e esgoto, a receita poderia pular de R$ 60 bilhões anuais para R$ 110 bilhões. As oportunidades coincidem com os de- safios: nos próximos meses, go- verno e agência reguladora de- verão divulgar decretos e normas sobre alguns pontos polêmicos da legislação, o que pode- rá ditar o ritmo do avanço das medidas e da abertura.
A lei traz novidades. Uma delas é que a Agência Nacional das Águas (ANA) deverá criar normas de referência a serem usa- das em Estados e municípios e irá estabelecer uma metodologia para a indenização dos ativos não amortizados, um ponto sensível que pode trazer polêmica principalmente nas regiões metropolitanas.
A nova legislação busca pro- mover a prestação regionaliza- da de serviços de água e esgoto e pode facilitar a privatização de ativos, o que traz incertezas. Em acórdão de 2013, o Supremo Tribunal Federal avaliou que nas regiões metropolitanas a governança deve ser compartilhada por buscar o interesse comum. “Há um enorme desafio de operacionalizar a governança para esse caráter integrado porque o Estado não pode prevalecer”, diz Mario Engler, presidente do conselho da Sabesp e da Corsan (RS).
Outro ponto de incerteza é que muitas companhias esta- duais mantêm contratos com municípios que terão de ser revisados. Em alguns deles, as cidades podem romper os acordos se houver mudança de controle. “Assinamos com a Sabesp, mas se houver privatização nosso contrato é nulo. Estou pronto para uma guerra de tribunais”, afirma o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB-SP).
O término de assinatura de novos contratos de programa também traz preocupação. O texto aprovado na Câmara apontava que eles poderiam ser renovados por 30 anos a partir do fim de 2022, mas isso foi vetado pela Presidência da República. Uma sessão da Câmara, sem data marcada, deverá analisar esse e outros cinco vetos. O assunto é polêmico. “Atrapalha porque é preciso uma transição e é preciso dar voz ao prefeito”, diz o deputado federal Fernando Monteiro (PP-PE), da frente parlamentar mista em defesa do saneamento.
Para o presidente do Banco Fator, Gabriel Galipolo, é preciso analisar a questão com visão ampla. “Não podemos nos per- der nessa oposição entre público e privado, há interação entre os dois”, afirma. “Muitos investi- dores não querem negociar com 300 ou 400 cidades, mas com uma estatal que seja seu anteparo jurídico. Não se pode eliminar as estatais de uma vez.”
Segundo o executivo do Fator, se as estatais “não podem renovar seus contratos, isso poderá desmontar os seus ativos e a estrutura oferecida a vários municípios. Os agentes privados só atenderão onde a tarifa irá remunerar o serviço”.
O interesse do setor privado pode ser medido por um número. Hoje a receita de empresas públicas e privadas estaria em cerca de R$ 60 bilhões anuais. Com a universalização, poderia subir para R$ 110 bilhões por ano, diz o presidente do Conselho de Administração da Águas do Brasil, Carlos Henrique da Cruz Lima. “São US$ 10 bilhões a mais que podem ser criados e poderão ter importante participação das empresas privadas, que hoje ainda têm baixa presença”, destaca.
Um dos principais pontos do marco é fazer com que as concessionárias tenham de mostrar capacidade financeira para atingir a universalização entre 2033 e 2040. Se não tiverem, elas serão forçadas a buscar alternativas de financiamento, como o capital privado. Em 30 de julho, o governo anunciou o início da consulta pública sobre esse ponto, processo que deverá durar 20 dias. Nesse período, será feita uma audiência pública. É um tema que pode gerar polêmica.
Segundo especialistas, mais de dez empresas estaduais não teriam capacidade para cobrir custos operacionais e fazer investimentos frente às demandas do mercado. Hoje essa questão regulatória ficou à margem dos vetos presidenciais.
A abertura do mercado, hoje liderado pelas companhias estaduais, atrai vários investidores nacionais e internacionais, como Equatorial, CCR, Vinci e fundos de investimento. “Adicione-se a isso o câmbio atual, que dá um aumento de 50% ao poder aquisitivo a vários fundos institucionais interessados em investir em infraestrutura aqui e que quando começaram seus aportes viviam com um dólar a R$ 3,50”, diz Renato Sucupira, sócio da BF Capital.
O crescimento do mercado deve ser acompanhando pela ampliação das fontes de financiamento, hoje concentradas em operações da Caixa Econômica Federal e do BNDES. Também poderá representar abertura de capital de empresas que operam na área, sendo que hoje apenas três estaduais têm ações em bolsa. Logo após a aprovação do novo marco, o Santander anunciou a criação de uma linha de R$ 5 bilhões destinada à viabilização de iniciativas do setor. As operações de curto a longo prazo (até 16 anos) poderão ter o custo reduzido conforme o cumprimento de metas ESG (sigla em inglês para meio ambiente, sociedade e governança).
A GS Inima já buscou informações sobre a novidade. “Estamos em busca de alternativas de crédito e o novo marco melhorou as condições”, diz o presidente, Paulo Roberto de Oliveira. A empresa se prepara para emitir R$ 100 milhões em debêntures, sua primeira emissão de títulos privados.
Nos últimos anos, a Aegea vem buscando ampliar a parcela do crédito privado no financiamento dos projetos. Hoje cerca de dois terços estão com o mercado de capitais. Em maio, a empresa fez sua segunda emissão de debêntures de infraestrutura, com lançamento de R$ 300 milhões e prazo de cinco anos. “Há demanda de fundos pelos papéis”, afirma o presidente, Radamés Casseb, que estima que, se mantida a atual rota, o caminho para abertura de capital da concessionária privada é inexorável e poderá chegar daqui a dois anos, quando os projetos de investimentos estiverem maduros.
A BRK Ambiental está de olho no crescente movimento dos “green bonds”, títulos de dívida atrelados a ativos capazes de trazer benefícios sociais e ambientais. “Já começamos a estudar o monitoramento dos impactos sociais e ambientais dos investimentos e estamos olhando essas emissões porque há uma demanda dos investi- dores por títulos responsáveis”, diz a presidente da empresa, Teresa Vernaglia.
O lançamento dos primeiros títulos poderia ocorrer em 2021 ou 2022. A empresa está de olho também na tramitação do Projeto de Lei 2646, que tramita no Congresso e poderá destravar o mercado de debêntures de infraestrutura para que fundos institucionais e seguradoras apliquem recursos na aquisição desses papéis. Hoje esse é um segmento cuja demanda é orientada pelas pessoas físicas, que contam com isenção do Imposto de Renda na aquisição dos papéis.
O projeto, do deputado João Maia (PL-RN) prevê redução de impostos cobrados aos emissores dessas debêntures. Essa é a principal diferença em relação à Lei 12.341, em que o benefício é dado ao investidor que compra os títulos emitidos.