Privatizações de estatais podem ser adiadas

Valor Econômico Digital 09/04/2020

Peças importantes nos planos de ajuste fiscal de estados, as privatizações de elétricas estatais devem ter dificuldades para sair do papel neste ano. Ainda que a estruturação das vendas não tenha sido paralisada pela crise, especialistas ouvidos pelo Valor entendem que não há ambiente para que elas aconteçam num futuro próximo. A avaliação é que os estados podem preferir postergá-las para quando o mercado estiver mais favorável.

Mas isso não significa marasmo para o setor elétrico: há quem aposte num aquecimento de outros tipos de operações, de fusões e aquisições, a partir do segundo semestre, com empresas menores colocando à venda ativos que podem chamar a atenção de grandes grupos do setor.

Pelo lado das privatizações, o calendário previsto para 2020 inclui pelos menos duas companhias, que estão com processos adiantados: a CEEE, do Rio Grande do Sul, e a CEB, de Brasília. Ambas contam com o suporte do BNDES para a desestatização, e a expectativa é que os estudos de modelagem e ‘valuation’ sejam concluídos até o fim de abril.

São empresas que já estavam no radar dos investidores, principalmente de estrangeiros. O problema é que a crise gerada pela pandemia da covid-19 mudou as prioridades das empresas no mundo todo, e operações estratégicas mirando o longo prazo podem ficar em segundo plano.

Especialistas não descartam a possibilidade de que grandes companhias, com caixa robusto para suportar a crise, aprovei- tem o momento para arrematar boas oportunidades no setor elétrico brasileiro. Por outro lado, apontam que privatizações são mais complexas, até por envolverem empresas que são hoje ineficientes e precisam passar por uma virada dos negócios.

Para Renato Ajimura, responsável pelos clientes multinacionais do banco MUFG Brasil, a sensação é que essas operações entraram em compasso de espera. No entanto, ele relata que clientes do banco continuam pedindo informações setoriais e dos desdobramentos da crise no Brasil. Essa “ânsia” por entender as movimentações locais vem sobretudo da China, onde o pico da epidemia já passou e as atividades começam lentamente a voltar à normalidade. Já os europeus, que lidam agora com a fase crítica da epidemia, parecem estar olhando para dentro de casa, diz.

Na visão de Renato Sucupira, presidente da BF Capital, o principal empecilho para as operações é a falta de crédito no mercado. De acordo com ele, as privatizações podem até ir a mercado, mas a menor liquidez deve reduzir a quantidade de interessados nas vendas.

Com o ambiente carregado de incertezas, e com as consequências da crise podendo ser até mais duradouras do que se imagina hoje, ficou mais complica- do precificar os ativos e os riscos envolvidos nos negócios, destaca Lavinia Hollanda, sócia e diretora executiva da consultoria Es- copo Energia. “Fico em dúvida se teremos demanda por ativos no futuro próximo, este ano ou até em 2021”, opina a diretora.

Na ponta vendedora, a avaliação é que as privatizações tendem a perder importância no curto prazo, diante da urgência do enfrentamento da epidemia. “Vemos uma ‘enxurrada’ de normas, decretos, medida provisória, não sei se os governos têm agenda para isso”, afirma Leonardo Miranda, sócio do TozziniFreire Advogados. Mesmo que desejem seguir com as operações como forma de gerar caixa, esse é um momento de “perda de valor”, complementa Pedro Seraphim, sócio do mesmo escritório.

“Quando a situação desanuviar um pouco, acho que há chances mais efetivas de o mercado andar”, avalia Alexandre Gossn Barreto, sócio do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Para ele, não há dúvidas de que a agenda de desestatização será firme- mente retomada pelos estados.

Consultadas, as companhias e governos estaduais dizem que os processos de privatização es- tão em andamento e que, por ora, não estão reavaliando datas. Na CEEE, a missão é encerrar o ano com todas as divisões (distribuição, geração e transmissão) privatizadas, disse ao Valor o presidente da elétrica, Marco Soligo. Já a CEB diz que os estudos junto ao BNDES e consulto- res seguem o cronograma, e acrescentou que os “efeitos econômicos” da pandemia serão considerados no processo, “seja pela expectativa dos agentes interessados na aquisição das ações seja pelos impactos esperados no caixa da companhia”.

Quanto às operações de M&A, elas podem ganhar tração a partir do segundo semestre, afirma o executivo de uma grande companhia do setor, que falou em condição de anonimato. Em sua visão, várias empresas de menor porte e que não têm o setor como “core business” devem colocar ativos à venda para fazer caixa, podendo atrair os “grandes consolidadores” do setor.

Na mesma linha, o diretor da consultoria Roland Berger, Daniel Martins, enxerga possibilidade de consolidação nas áreas de geração eólica e solar e de comercialização de energia. “Seja privatização, seja venda de ativo, é possível que isso aconteça em distribuição também”, afirma.

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09/04/2020
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