Negócios à vista

Notícia do Valor Econômico (link da notícia)
Data: 01/09/2021 | 05h00
Por: Roberto Rockmann, de São Paulo

Apesar das indefinições, novo marco regulatório atrai investidores. Por Roberto Rockmann , para o Valor, de São Paulo

Pouco mais de um ano após a sanção do novo marco regulatório, o setor de saneamento vive um momento agitado, com avanço do capital privado, chegada de novos investidores, indefinições sobre o futuro das companhias estaduais, ameaça de judicialização por parte dessas companhias que controlavam dois terços do mercado e espera de definições regulatórias. Mesmo diante de incertezas, nos próximos meses negócios bilionários deverão ser anunciados, como o leilão de concessão plena de ser- viços de água e esgoto em todos os 16 municípios do Amapá, marcado para o início de setembro e que já desperta o interesse de novos entrantes no setor.

“O novo marco está dando resultados, como provam os resultados dos leilões e a chegada de novos investidores, mas ainda da falta muita coisa. A Agência Nacional das Águas [ANA] recebeu a atribuição de criar normas gerais para o funcionamento dos órgãos reguladores, isso está andando, mas há risco do funcionamento futuro dessas agências que podem ser povoadas por políticos e funcionários mal pagos”, diz Jerson Kelman, primeiro diretor-presidente da ANA e um dos maiores especialistas do setor.

 Uma das inovações da Lei 14.026 é que a Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico deverá criar normas de referência a serem usadas em Estados e municípios. Hoje existem 74 agências regulatórias no país, número que poderá crescer. Criar uma uniformização entre órgãos estaduais, municipais e consorciados será um desafio.

Kelman também considera que é preciso avaliar o modelo que os Estados têm adotado de li- citar ativos com cobrança de outorgas. “É razoável que o poder concedente queira cobrar um valor, como feito no Rio de Janeiro e em Alagoas, mas esse dinheiro vai para os governantes, não necessariamente para o setor. Não seria melhor fixar um valor pelos ativos não amortizados e uma menor tarifa para a universalização?”, questiona.

Estudo preliminar do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com base em cinco projetos estruturados e licitados nos últimos meses, que somam R$ 38 bilhões em investimentos, aponta que a demanda por encomendas para a indústria será de R$ 11 bilhões. Os projetos que embasaram o estudo são a concessão do Amapá, concessão dos três blocos da Cedae no Rio de Janeiro, a PPP de Cariacica (ES), a concessão da região metropolitana de Maceió e concessão na cidade de Porto Alegre.

O número deve crescer. O próximo leilão — sobre as 16 áreas urbanas do Amapá — terá sua concorrência realizada em setembro. O certame trará uma novidade: o resultado levará em conta a combinação entre valores de outorga, de pelo menos R$ 50 milhões, e de tarifa para definir o vencedor. No entanto, para evitar que o valor da tarifa inviabilize investimentos, a redução será limitada a 20% do valor proposto no edital.

“No Amapá, está sendo proposto um modelo de leilão híbrido em que há uma outorga e o conceito de tarifa mínima em uma licitação que cobre todo o Estado. Como há preocupação com a renda da população local e com o fluxo de caixa do projeto, se aplica um piso tarifário para o caso de o lance dado ser agressivo demais, aí se vai para uma disputa em relação à outorga”, destaca Martha Seillier, secretária especial do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) do Ministério de Economia.

“Há novos entrantes analisando a participação nesse leilão do Amapá”, diz Renato Sucupira, sócio da BF Capital. Só sete a cada cem amapaenses têm coleta de esgoto e um a cada três tem água tratada. O novo concessionário investirá R$ 3 bilhões durante 35 anos. Outro grande negócio esperado é o novo leilão do Rio de Janeiro, referente à concessão dos serviços em bairros da zona Oeste da capital e, pelo menos, 17 municípios do interior. O bloco não foi licitado em abril desse ano. O governador Claudio Castro (PSC) falou em outorga mínima de R$ 2,6 bilhões, podendo chegar a R$ 3 bilhões pela concessão. “Em concessões menores, de até 100 mil habitantes, vai ter uma chuva de concorrentes, com empresas locais e construtoras menores também buscando oportunidades”, diz Daniel Keller, sócio da UNA Partners.

 Análise da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) aponta que o investimento total estimado para expansão da rede com o novo marco é de R$ 753 bilhões. Desse total, serão necessários R$ 498 bilhões de novos investimentos para expansão da infraestrutura de saneamento e mais R$ 255 bilhões para a recomposição da depreciação. “São aportes em diversas áreas, na compra de maquinários e na construção da infraestrutura das redes”, afirma Percy Soares Neto, diretor executivo da Abcon. “Estamos em um caminho que podemos realmente superar obstáculos que estão há décadas para serem ultrapassados”, diz Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).

 Os negócios também provocarão uma mudança no desenho do setor: até o fim do ano, 18% da população deverá ser atendida por concessionárias privadas e esse percentual poderá dobrar em cinco anos. Foram 25 anos de espera pela mudança, diz o conselheiro da Águas do Brasil Carlos Henrique da Cruz Lima. As primeiras concessões em saneamento surgiram em 1996, mas a participação do setor privado estacionou em cerca de 5% por anos.

 O novo marco e as concessões têm trazido novos players nacionais e estrangeiros: a Iguá tem como acionistas o fundo IG4, que também negocia seu ingresso na CCR, holding de infraestrutura, e dois canadenses: Canada Pension Plan Investment Board e o Alberta Investment Management Corporation. A Equatorial, um dos maiores grupos de distribuição de energia elétrica, tem já participado desde o ano passado de licitações no setor, inclusive com oferta em certames. A Vinci Partners integrou consórcio com a Águas do Brasil e a BRK para participar da licitação da Cedae.

 A Aegea, por sua vez, recentemente teve o ingresso da Itaúsa, que vem diversificando seu portfólio. A Aegea também conta em seu capital com o GIC, fundo soberano de Singapura. Iguá e Aegea foram as vencedoras do leilão da Cedae, companhia que atende o Rio de Janeiro. As duas pagaram R$ 14,7 bilhões relativos às primeiras parcelas das outorgas da concessão.

 A chegada de novos players e os negócios bilionários à vista também serão marcados por maior aproximação com o mercado de capitais e novas estruturas de financiamento no setor, historicamente ligado a crédito da Caixa Econômica Federal e do BNDES. Uma opção no médio prazo serão aberturas de capital. Não há concessionária privada com ações listadas na B3 ainda. Atualmente, segundo executivos do setor financeiro, Aegea e Iguá estão sondando o mercado para avaliar as opções, que deverão ser uma combinação de financia- mento estatal (BNDES e Caixa) e de mercado de capitais, com destaque para emissão de debêntures incentivadas.

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